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Qual a consequência da quebra da cadeia de custódia da prova (Break on the chain of custody)?

Atualizado: 22 de fev. de 2024




Antes de adentrarmos as consequências pela quebra da cadeia de custódia, cabe destacar que ela é uma importante inovação apresentada por meio da Lei 13.964/19, conhecida popularmente como “pacote anticrime”, quando da recepção da sua teoria e inclusão no Código de Processo penal, proporcionando maior qualidade e credibilidade da prova. A cadeia de custódia foi inserida no CPP nos arts. 158-A, B, C, D, E e F[1].


A finalidade da cadeia de custódia é assegurar a idoneidade dos objetos e bens escolhidos pela perícia ou apreendidos pela autoridade policial, a fim de evitar qualquer tipo de dúvida quanto à sua origem e caminho percorrido durante a investigação criminal e o respectivo processo judicial[2].


A definição sobre cadeia de custódia da prova vem disposta no art. 158-A:


Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal.



Logo, ao analisarmos o artigo supra conseguimos compreender que a cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos para documentar a história cronológica dos vestígios, como elos de uma corrente, destinada a preservação da integridade da prova, sua legalidade e, por consequência, sua confiabilidade. Desta forma, essa corrente liga duas pontas, desde a identificação dos vestígios até o efetivo descarte da prova. O rompimento de qualquer um dos elos significa a quebra da cadeia de custódia da prova[3]. Logo, a cadeia de custódia da prova não é de competência absoluta SOMENTE dos peritos, mas sim, de todos os envolvidos na esfera preliminar investigativa e processual, inclusive o advogado de defesa se já tiver sido constituído.


Posto isso, cabe entender o princípio desse instituto da cadeia de custódia e, qual seria sua base?


O princípio da documentação compõe um grupo de princípios da criminalística, sendo eles amplamente estudados no âmbito pericial, mas pouco no ensino jurídico. Ladeado a ele, temos princípios como o da descrição, da análise, da associação, da reconstrução, da classificação, da individualização, da identificação, da transferência, etc.


Assim, o princípio da documentação diz que toda amostra deve ser documentada, desde seu nascimento no local de crime, até sua análise e descrição final, de forma a se estabelecer um histórico completo e fiel de sua origem. É um princípio que apresenta a necessidade de documentar tudo aquilo que ocorre no “caminho do vestígio”, ou seja, não se pode realizar a coleta de um material sem que haja a documentação, ou seja, a escrita do que está sendo realizado[4].


Esse princípio se coaduna com o princípio da MESMIDADE[5], o qual prevê que o elemento analisado e utilizado em juízo seja realmente o recolhido na cena, que a interpretação da análise da evidência reflita exatamente o que ocorreu e, ainda, que o estado do elemento tenha sido conservado em condições idênticas às que se encontrava no local do crime.


Outro princípio relevante na cadeia de custódia diz respeito ao princípio da DESCONFIANÇA, que consiste na exigência de que a prova (DNA, áudios, documentos, etc.) passe por acreditação, submetendo-os a um procedimento que demonstre sua correspondência com o que a parte alega ser[6].


É preciso compreender que dentro de um processo poderemos ter diversos tipos de prova, cada qual com sua morfologia, levando em conta o tipo de prova abarcado. Por exemplo, a prova de DNA possui particularidades que exigem um rito obrigatório para coleta, transporte, análise, etc, muito diferente do rito contido na prova de interceptação telefônica, por isso, todo o cuidado com o manuseio da prova será fundamental para a legalidade do ato[7].


Para fins de melhor exemplificação, trataremos nesse momento sobre a prova de DNA, tendo por muitos como incontestável e “evidente”. E, porque falamos “evidente”? Pois, esse é o ponto cego no direito, já que não permite ver, sendo ele um simulacro de autorreferencialidade, “bastando por si só”. Inúmeras vezes somos levados a acreditar que o evidente dispensa a prova, pois é “evidente”. Entretanto, aqui encontra-se o perigo, podendo-se descartar o contraditório e apresentando riscos incalculáveis ao processo.


O Podcast do Criminal Player[8], apresenta o curioso caso do Fantasma de Heilbronn, também conhecido como "Mulher sem rosto", que era uma assassina em série hipotética, cuja existência se presumia devido a evidências de DNA encontradas em diversos locais de crime em Áustria, França e Alemanha entre 1993 e 2009. Os crimes incluem seis assassinatos, entre eles o da policial Michele Kiesewetter, em Heilbronn, Alemanha, em 25 de abril de 2007.


A única conexão entre os crimes era a presença do DNA de um mesmo indivíduo do sexo feminino, encontrado em 40 locais de crime, desde assassinatos até roubos. Em março de 2009, os investigadores concluíram que não se tratava de um "criminoso fantasma", mas que o DNA encontrado nas análises já estava presente nos suábes usados para coletar amostras de DNA e ele pertencia a uma mulher que trabalhava na fábrica onde eles eram feitos[9].


Com este exemplo do caso do Fantasma de Heilbronn, fica comprovado que não podemos considerar um exame de DNA como prova incontestável, sinônimo de verdade, sem antes fazer uma análise profunda acerca dos meios utilizados para a obtenção da prova e do procedimento previsto no arts. 158-A e ss. É sabido, que amostras coletadas em superfícies não estéreis (como DNA coletado em local de um crime de homicídio, por exemplo) podem sofrer danos após contato com luz do sol, chuva, micro-organismos, solventes naturais, permitindo equívocos de interpretação ou redução na confiabilidade do resultado ora apresentado[10]. Diferentemente dos exames de DNA utilizados para confirmação de paternidade e que possuem precisão de 99,99%, pois são coletados em laboratórios totalmente esterilizados para garantir tal assertividade. Já, DNA coletados em locais de crimes, de acordo com a data do crime (quantos dias antes ocorreu o crime em relação a coleta do material e exposição aos agentes externos tem essa precisão reduzida consideravelmente, não podendo alcançar nem 50% de precisão.


Desta forma, a qualidade da decisão judicial está intimamente ligada a produção da melhor prova possível e garantia absoluta do contraditório. A manutenção da cadeia de custódia é um garantidor da “mesmidade”, proporcionando uma maior segurança para todas as partes envolvidas no processo judicial.


Diante de tudo que fora explanado em relação ao que é cadeia de custódia, devemos retroagir a pergunta inicial do artigo:


Qual a consequência da quebra da cadeia de custódia da prova? Por estar vinculada as regras do devido processo penal, o descumprimento dela enseja a ilicitude da prova. Ou seja, significa dizer que ao quebrar a cadeia de custódia violaremos as regras do devido processo penal, conduzindo a nulidade dessa prova obtida, e por consequência, podendo invalidar todos os atos até então realizados no processo (anular o processo).


Quando se anula um processo, por práticas ilegais dos agentes do Estado, se evita a anulação de diversos outros, já que este baliza o padrão de legalidade exigido, desestimulando as ilegalidades para incriminação a qualquer custo, e, ao mesmo tempo, valoriza as boas práticas em todas as fases da elaboração da prova[11].




REFERÊNCIAS: [1] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. P 460. [2] ESPÍNDULA, Alberi. Perícia criminal e cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 4. ed. Campinas: Millenium, 2013. [3] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. P 460. [4] AMARAL, Maria Eduarda. Como funciona a cadeia de custódia da prova pericial? Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/cadeia-de-custodia-da-prova-pericial/ . Acessado em 21/04/2022. [5] Por mesmidade, entende-se a garantia de que a prova valorada é exatamente e integralmente aquela que foi colhida, correspondendo portanto “a mesma”. PRADO, Geraldo. “Ainda sobre a quebra da cadeia de custódia das provas. In boletim do IBCCrim, n. 262, Setembro 2014, pg 16-17. [6] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. P. 464 [7] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. P. 460 [8] Criminal Player. Epsódio 10. Como constestar um laudo de DNA: Junk Science. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/2qhGZieI3AzxcfeFgKOPNb?si=McZXbOc_TOG3m6nznJwE-g&nd=1 [9] Wikipédia, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fantasma_de_Heilbronn. Acessado em 21/04/2022. [10] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. P. 465 [11] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021. P. 467



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