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Foto do escritorRodrigo Fernandes

Direito ao Silêncio Parcial em Interrogatório

Atualizado: 22 de fev. de 2024

O direito de silêncio está previsto expressamente em nossa Carta Magna no art. 5º, LXIII, sendo garantido esse direito tanto ao acusado preso como também ao que encontra-se em liberdade. Como fundamento para esse entendimento nos cumpre lembrar da CADH (Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou como também é conhecida Pacto de San José da Costa Rica) do qual o Brasil é signatário[1], onde em seu art. 8.2, g, estabelece: Toda a pessoa (presa ou em liberdade) tem direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada. Ademais, nosso CPP[2] estabelece em seu art. 186 que: “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas” (grifo nosso).


Tão logo dispomos da fundamentação em relação ao Direito de silêncio, cabe-nos destacar que ele encontra respaldo no Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa (art. 5º, LV da CF). De acordo com Ada Pellegrini Grinover, nossa Constituição estende as garantias a todos os processos, independentemente de serem punitivos (quando envolvidos são denominados acusados), ou não punitivos, quando os envolvidos são denominados litigantes[3].


Com isso, consagra-se a exigência de um processo formal e regular, seguindo os termos previstos legalmente e impedindo que a Administração Pública tome qualquer medida contra alguém, atingindo os seus interesses, sem lhe proporcionar o direito ao contraditório e a ampla defesa[4].


Posto estes breves esclarecimentos, nos cumpre adentrar ao assunto do artigo, onde discorreremos sobre o Direito de Silêncio Parcial, pois trata-se de tema atual e instigador. Dissertaremos sobre uma gravação que circulou nas redes sociais de uma audiência onde uma magistrada negou o direito de silêncio parcial ao acusado, pois o mesmo alegou que responderia apenas as perguntas formuladas pela defesa, fundamentando a decisão judicial que assim o acusado estaria desrespeitando o contraditório. Esse ato jurisdicional retroage para ideais inquisitórios, onde não existia o respeito direitos e considerava o acusado como um meio de prova[5].


Como defende Aury Lopes Jr[6],


O interrogatório deve ser tratado como um verdadeiro ato de defesa, em que se dá a oportunidade ao imputado para que exerça sua defesa pessoal. Para isso, deve ser considerado como um direito e não um dever, assegurando-se o direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo, sem que dessa inércia resulte para o sujeito passivo qualquer prejuízo jurídico.


O direito de silêncio trata-se de uma defesa pessoal negativa, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, que garante ao acusado a garantia de não sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de favorecer a atividade probatória, uma vez que o ônus da prova incumbe totalmente ao acusador. Logo, ao valer-se do direito de silêncio não poderá nascer qualquer presunção de culpabilidade ou prejuízo ao acusado[7]. Ademais, assevera-se que a presunção de inocência não configura posição de vantagem, mas, sim, de equilíbrio da relação Acusado-Estado durante o caminho da persecução pena.


O direito ao silêncio do réu pode ser exercido de forma total ou parcial. Ou seja, o acusado pode responder a todas as perguntas que lhe forem feitas pelos mais diversos agentes jurídicos (juiz, promotor, assistente de acusação e advogado do corréu) ou responder apenas aos questionamentos de um deles ou responder apenas algumas perguntas de cada um deles ou ainda permanecer calado (autodefesa negativa). O réu pode, inclusive, antes de responder qualquer indagação, consultar o seu advogado/defensor público sobre a conveniência de falar ou permanecer calado. Entende-se, inclusive, como deslealdade processual qualquer pressão ou coação exercida sobre o réu que opta por fazer uso do seu direito ao silêncio[8].


Diante disso podemos compreender que o acusado poderá responder apenas as perguntas que considerar válidas para sua estratégia de defesa. Isso resulta da interpretação constitucional do art. 5°, inciso LXIII da CF, da Convenção Americana de Direitos Humanos em seu art. 8.2, g e, por fim, do art. 186 do Código de Processo Penal. Com isso, fica clara a possibilidade de escolha das perguntas a serem respondidas, inclusive se ponderar estratégico, responder apenas as perguntas realizadas por sua defesa. Caso essa seja a postura do acusado, em nenhuma hipótese se poderá alegar que o réu está agindo com deslealdade processual, pois não descumpre nenhum dever de colaboração simplesmente por exercer regularmente um direito que lhe é constitucionalmente previsto (nemo tenetur se detegere)[9].


A ausência da informação sobre o direito ao silêncio constitui nulidade[10], esse é o entendimento da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC 131030/SP 2020/0180941-3), tamanha importância dessa garantia constitucional para continuidade da persecução penal. Nesse recurso “(…) a defesa logrou demonstrar o efetivo prejuízo suportado pelo recorrente, uma vez que, em ofensa ao princípio da não autoincriminação, é réu em uma ação penal cuja denúncia se baseia, principalmente, em confissão por ele feita na condição de testemunha noutro processo criminal (…)”.


No caso que circulou nas redes sociais, a juíza considerou como afronta ao contraditório a opção do réu de responder apenas as perguntas de seu defensor. Contudo, como apontamos, a sua decisão de negar o direito ao acusado é que feriu o princípio do contraditório e a ampla defesa, uma vez que ele poderia utilizar-se do silêncio parcial para o seu interrogatório, sendo este o último ato processual, que tem por objetivo garantir a amplitude defensiva do acusado. Diante disso, resta-nos pensar que a única solução ao caso concreto será a decretação da nulidade do ato jurisdicional. A postura da magistrada nos retroage de tal maneira ao modelo inquisitório, tão contrário ao direitos constitucionais e a Lei 13964/19, que nos faz refletir o quanto isso ainda impera em nos Tribunais nacionais[11].




Referências bibliográficas [1] BRASIL (9 de novembro de 1992). «Decreto Nº 678 de 06 de novembro de 1992». www.planalto.gov.br. Consultado em 10 de setembro de 2020 [2] Código de Processo penal DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 [3] Princípio da contraditório e da ampla defesa, Patriota, Caio Cesar. https://jus.com.br/artigos/56088/principio-da-contraditorio-e-da-ampla-defesa [4] Princípio da contraditório e da ampla defesa, Patriota, Caio Cesar. https://jus.com.br/artigos/56088/principio-da-contraditorio-e-da-ampla-defesa [5] O réu tem o direito processual fundamental ao silêncio parcial, Muniz, Gina. https://www.conjur.com.br/2020-jun-25/gina-muniz-direito-reu-silencio-parcial [6] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021 [7] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2021, p.116-117 [8] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2019, p.444-445 [9] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 6. ed. Florianópolis: E mais, 2020, p. 748 [10] STJ: ausência de informação sobre direito ao silêncio constitui nulidade, Talon, Evinis, http://www.talon.com.br/stj-ausencia-informacao-direito-ao-silencio-constitui-nulidade/#:~:text=Mar%C3%A7o%2023%2C%202021-,STJ%3A%20aus%C3%AAncia%20de%20informa%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20direito%20ao%20sil%C3%AAncio%20constitui%20nulidade,depende%20da%20comprova%C3%A7%C3%A3o%20do%20preju%C3%ADzo. [11] O réu tem o direito processual fundamental ao silêncio parcial, Muniz, Gina. https://www.conjur.com.br/2020-jun-25/gina-muniz-direito-reu-silencio-parcial



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